sábado, 14 de março de 2015

Dos trinta, um

Servulo Borges, conhecido como Borjão, Alcântara, Maranhão.

Existe uma geração de meninos em Alcântara e arredores que não desfrutam mais os doces anos, mas ficaram reconhecidos e tiveram sua trajetória marcada por uma decisão que tomaram quando jovens. Com o incentivo dos pais, que poucas alternativas viam para os filhos, trinta meninos saíram do interior do Maranhão, no município de Alcântara, para estudar durante seis meses em São Paulo. Esta iniciativa fez parte da estratégia de persuasão para a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), nos anos 80. "Voltamos pra casa com os valores do sul. Farda de botão dourado, dinheiro no bolso. Aí, qual é o pai que vai ter coragem de dizer que este projeto é ruim?", conta Servulo Borges, um dos meninos escalados pra viagem, hoje com 52 anos. 

O papel dos garotos era fazer o corpo a corpo com a comunidade no processo de convencimento. E então, o projeto era vendido como se fosse totalmente harmônico com as populações locais. "Nós fomos os 'piotários', os primeiros otários. Só a partir de 87 fui perceber que aquilo era uma furada", completa Borges, que hoje é uma liderança ativa, totalmente dedicado às demandas das quase 300 comunidades quilombolas de Alcântara.

Borges é casado com Eliete, os dois não tem filhos e a vida é então exclusivamente organizada em função da luta pela titulação dos cerca de 90 mil hectares. E também pra cuidar de uma diabete que desenvolveu no decorrer dos anos. "Meu sangue é doce", ele diz espantando os mosquitos e rindo. E de sangue doce, sem mágoas dos companheiros enfatiza "dos trinta soldados, o único que teve coragem de sair e dizer que este projeto foi e é ruim, fui eu."

Texto e foto: Ana Mendes

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